quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Wittgenstein, Jogar fora a escada após ter subido ela.

Para Marcelo Ariel e Costa Villar

Como sentir o Sagrado sem antes mesmo compreender os propósitos de Deus? 
Em outubro desse ultimo mês exibimos a exposição do Sagrado e o Contemporâneo do coletivo de artes do grupo Garage.
Em meio à construção da nossa exposição, entre nossas pesquisas e trocas, fui intermediadora de dois artistas que admiro muito. Dois artistas que transcendem a poesia e a pintura e vão lá para o vale da filosofia. Marcelo Ariel, o poeta, e Costa Villar, o pintor. E por conta dessa ponte, por ironia do destino ou do Divino, ou sei lá o quê, tive a enorme responsabilidade de zelar por um livro. 

"A Escada de Wittgenstein", de Marjorie Perloff
"A Linguagem poética e o Estranhamento do Cotidiano"

A princípio achei hermético demais , mas nunca mais julgarei um livro pelo título, ou pela aparência, como geralmente se passa comigo.
Folheei-o compulsivamente, enquanto ouvia de longe o som que vinha lá da minha sala, qualquer coisa que dizia: "Vida, vida, vida, que seja do jeito que for". Era a novela das 21h.... Pensei: "que estou fazendo aqui lendo essa porra de Witt.... que eu mal consigo pronunciar? Eu deveria estar vendo a novela, mas não." Mil vezes não. "Vida, que seja do jeito que for" está relacionado com tudo o que relatarei agora.

Explico:

Meu fio condutor com Deus é muito particular, estabelece uma consciência profunda do que está além das palavras. Abro o livro, página 226, cheio de rabiscos, e anotações (aliás adoro os livros rabiscados e cheio de observações do dono). 
E ali, naquela página estava tudo o que eu precisava aceitar, me aceitar em relação ao meu pensamento dirigido à Deus. 

Wittgenstein escreveu em seu caderno em 4 de junho de 1916: 

"(...) O que sei eu sobre Deus e o propósito da vida?
Eu sei que esse mundo existe
Que estou colocado nele como meu olho em seu campo visual.
Que algo sobre ele é problemático: aquilo que nós chamamos nosso significado.
Que significado não se encontra nele ,mas fora dele?
Que minha vida é o mundo.
Que minha vontade penetra o mundo
Que minha vontade é o bem ou o mal
Portanto esse bem ou esse mal estão de alguma maneira relacionados com o significado do mundo...
O significado da vida, ou seja, o significado do Mundo, nós podemos chamá-lo de Deus.
Rezar é pensar no significado da vida
Eu não posso submeter os acontecimentos do mundo à minha vontade:
Eu sou completamente impotente!!!!!!
"O mundo é independente da minha vontade"
"Acreditar em Deus significa ver que a vida tem um significado" E mais adiante , acreditar em Deus significa ver que os fatos do mundo não são o fim da questão. (...)" 

Acabaram ali todas minhas dúvidas, ou dívidas com Deus, como queiram....

No mundo tudo é como é, e acontece como acontece. Não pode existir nenhuma proposição ética.

E foi, a partir daí, que construí o meu papel dentro do Sagrado. Eu não preciso acreditar em Deus, mas, sim, nos significados, nos códigos que Ele sutilmente nos envia ...
Acreditar nas pessoas, em "gente", por que as pessoas não se encontram fora do mundo, com apenas "marcas" para "decifrar", mas sim estão situadas em um mundo, cheio de significados aos quais devem responder.

"Minhas proposições são elucidativas desta maneira: aquele que me compreende acaba de por reconhecê-las como sem sentindo, após ter escalado através dela (deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido ela)"
Wittgenstein 
Esse post foi uma breve introdução para que eu possa escrever sobre o Sagrado e Contemporâneo. 

Eu não sei rezar, foi através da minha dança, que  encontrei-me com Deus. 



Tatiana Justel
au revoir et a bientot

3 comentários:

  1. Belo texto! Este tema merece um estudo mais aprofundado e é a semente de um diálogo profundamente enriquecedor...

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